terça-feira, 29 de setembro de 2009

Paula Biazus
02 de julho de 2009

Questões escolhidas, 1 - 6 - 7.


1) sobre o conceito de imagem:
Trago, na elaboração sobre imagem, algumas reflexões que atravessaram minha experiência durante o seminário Frágil. Há tempos, vivo as imagens fotográficas que produzo e aquelas que vejo, mas a partir do seminário, coloco-me em um novo ponto de vista em relação a essas imagens e a outras imagens (não somente fotográficas). De um questionamento feito em aula: Por que os teóricos se referem às imagens como linguagem – um sistema de signos articulados? Em minha formação esse tratamento sempre esteve presente, os signos, a leitura das imagens, uma possível interpretação aproximando a imagem da linguagem escrita. Traçando um paralelo com a escrita em que as imagens poderiam ser decifradas. Após as leituras do seminário outra perspectiva se abriu ou outras perspectivas se abriram.
A imagem carrega uma polissemia que, segudo Barthes, não contempla uma comunicação (comum ação – aspecto parcial da linguagem) justamente por não trazer um sentido fechado, obrigatório, dirigido. A imagem, caso seja encarada como um sistema homogêneo – uma linguagem articulada -, precisaria contar com uma codificação e uma decodificação. Nesse momento, a partir de Deleuze e Guatarri em “O que é Filosofia?”, passo a refletir sobre a imagem como capaz de produzir/contemplar um bloco de sensações em que sua leitura não é viável por não estabelecer uma codificação do mundo aparente. Pode-se pensar, com esses dois autores, em uma linguagem como um sistema heterogêneo contemplando uma contínua variação de sentido, não como um código que transpõe as imagens expressas no pensamento em uma articulação digital. As separações já não são delimitadas em um mundo caótico idéia/imagem sem o dualismo platônico mundo x idéia. Tudo é aparência em variação contínua.
Para Henri Bergson, a imagem é um caminho entre a coisa e a sua representação: a imagem percebida e a imagem lembrada. A ação no mundo não está apartada das imagens da memória, pois essas completam experiências do presente com experiências adquiridas. A “Matéria e a Memória”, que dão nome a sua obra, são compostas de imagens, pois o mundo é um conjunto de imagens e a própria memória sobreposições de imagens. As imagens criam matéria e sem elas não se apreende as coisas. Com esse autor, em que a separação entre imagem e mundo não é feita a partir de uma ruptura, encontra-se um caminho para pensar nas imagens sem tentar estruturá-las em uma linguagem. A imagem não está como um modo de comunicação em que se torna o veículo para outra coisa – o signo, em direção a um referente – como em Barthes. A imagem em si mesma é percepção e/ou é memória/lembrança e o signo não está para fora dela, assim como em Deleuze a imagem e o signo não estão separados.
O signo, em Deleuze, está entre o sinal corpóreo, extenso, quantificável e a imagem intensa/virtual do pensamento. É uma força heterogênea que conjuga corpo e sensação – sensório-motor – em que se pode retornar ao próprio Henri Bergson, pois as imagens estão nas ações sendo percebidas e configurando lembranças – sensório-motoras -. Muito mais que estruturando uma linguagem ou sendo estruturadas por ela, as imagens estão/são no mundo matéria e sensação. A imagem como produtora de um bloco de sensações composta de perceptos e afectos agenciando suas forças internas.

6) sobre Obra Aberta:
Será que pode-se pensar uma obra aberta, trabalhada por Umberto Eco no texto de mesmo nome, a partir de considerações de Deleuze e Guatarri em “O que é Filosofia?”. É uma pergunta, pois acredito que uma colocação desses dois autores possa ser conjugada ao texto de Eco. “Jamais o gesto do pintor fica na moldura, ele sai da moldura e não começa com ela”. O quadro – a moldura – a janela. “O quadro é atravessado por uma potência de desenquadramento que abre para um plano de composição ou um campo de forças infinito”. A idéia de pensar o quadro – a obra – como um campo de possibilidades que se abre em sua relação artista-obra-espectador. A obra considerada aberta conta com a interação com o público em que o gesto do pintor atravessa a obra em busca do movimento e abre possibilidades àquele que a contempla.
A obra, o quadro, já é um campo de escolhas realizadas que é aberta enquanto permanece obra em uma relação de “equilíbrio” entre surpresa e novidade. Fatores que surpreendam o espectador e fatores “reconhecíveis” em que ele possa se apoiar. A obra aberta não pode abandonar os sinais de que é fruto de uma intenção, das escolhas realizadas, por mais que se abra como campo de possibilidades para o espectador. Os “signos” se compõem como constelações nas quais a relação de saída não é determinada de modo unívoco (Eco, p. 153). Aquele que está fora – o espectador – pode entrar na obra em pontos diversos dessas constelações e percorrer caminhos que não estão previamente estabelecidos. O espectador está fora, mas participa de dentro nos campos de possibilidades da obra. Assim como o mundo exterior à obra (o que está fora e esse fora também está dentro) pode se relacionar como que está na obra de acordo com as ligações estabelecidas pelo espectador a partir de uma direção tomada/indicada pelo artista, mas não fechada ou completa na própria obra.

8) sobre a fragilidade:
A obra está atrelada às coordenadas tempo-espaço, mas a partir do momento em que ela se mantém em pé por si mesma, o composto de sensações criado se conserva, não está no artista, não está no material. A obra de arte como um ser de sensação existe em si, desprendendo-se da categoria espaço-tempo. A obra que contemplo ou estudo hoje está desprendida do espaço-tempo em que foi feita, não como relação com o seu contexto de produção mas como criadora de sensações ela independe daquele que a criou. Sendo esse ser de sensações, capaz de afectos e perceptos, a obra torna-se extemporânea, estando de pé sozinha além do tempo e do espaço. A obra não re-apresenta o mundo visível, aparente, ela própria se apresenta como obra na sua atemporalidade. Na arte contemporânea, se coloca em evidência a fragilidade da interpretação e a relação obra/referencial nem sempre é apresentada diretamente. A fragilidade está na apresentação das próprias obras em que elas não permanecem no espaço-tempo, mas ocorrem em um espaço-tempo pontual como nas performances e happenings.
No texto de Arthur Danto sobre Andy Warhol, o autor traz a questão que a obra inaugurada por esse artista não distingue arte da realidade baseando-se na precepção. O conceito está me jogo, a relação obra e realidade pode estar fragilmente atrelada a conceitos trabalhados pelo artista. A fragilidade também está nessa relação arte/vida em um mundo que a arte fala sobre si mesma. A arte sobre a arte, como Lichtenstein trabalha a pincelada que é o gesto primordial do pintor.
A arte, para Deleuze, desprende da matéria sendo considerado o mais extemporâneo dos planos. A obra de arte como bloco de sensações – conjunto de perceptos e afectos – conforma seres que valem por si mesmos e excedem o vivido. Não é a vida do artista e nem a vida do material. Outra questão que trabalha a fragilidade na arte contemporânea é a apropriação de imagens e obras na criação de outras obras que não são as originais. Coloca em questão a própria autoria da obra de arte a partir do uso que um artista pode fazer de imagens de obras de outros artistas.

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