terça-feira, 29 de setembro de 2009

Rafael Johann



Pontos escolhidos: 2, 6 e 7.



6 – fragmentos a partir da concepção de Obra Aberta:



Diante da falência de todos os projetos universalizantes, da crise da imagem definitiva e da verdade única, reconhecemos que existem obras de arte que nos propõem um campo de possibilidades de interpretação. A obra aberta revaloriza a Arte como esfera da liberdade, estando sempre disponível para leituras e interpretações tão variadas quanto as formas que o pensamento – sobre Arte ou sobre qualquer outro fenômeno – podem assumir.

A obra aberta desafia, assim, seu espectador ao mesmo tempo em que o assume como parte integrante e importante da sua própria existência como obra. Coloca a Arte como uma relação possível e dá força aos movimentos do fruir e do pensar – no caso dos críticos de Arte, a obra aberta é combustível para fantásticas viagens do pensamento.

Trabalhando no sutil equilíbrio entre ORDEM e DESORDEM, a obra aberta incorpora ruídos na sua composição, reconhecendo o CAOS como a fonte primária da Arte – e por que não da vida? – e elevando estes ruídos â categoria de sinal. Em tempos em que ainda subsiste certa tendência à interpretação lógica e definida de obras de arte, a obra aberta pode representar o golpe final nesta visão apegada a certezas e funcionar como um convite à aceitação, à integração de infinitas possibilidades de olhar e de sentir.



7- Acredito que tudo na Arte Contemporânea pode guardar certa fragilidade. Fragilidade dos materiais que compõem as obras – desde materiais não-convencionais às tradições artísticas até “materiais” desmaterializados. E mesmo os materiais tradicionais não escapam a fragilidade, uma vez que a própria escolha do artista em utilizá–los pode “derrubar” sua obra... obras virtuais, efêmeras, comestíveis e descartáveis – ou o extremo: obras vazias, não-obras, como a galeria vazia de Yves Klein ou o andar vazio da última Bienal de SP – levam ao limite a fragilidade física/material da Arte.

Frágil também são muitas vezes os conteúdos explorados pela Arte Contemporânea. Após séculos de construções e de experiências, a Arte parece viver um período onde não há mais muito a ser dito. Baudrillard fala de um vazio, de uma cristalização da Arte. As obras tratam da própria arte. Superinflação de imagens que não nos dizem nada.

Frágil é o sistema da Arte Contemporânea. Sendo mais um dos sistemas que se fechou em si próprio, ocorre uma ausência de parâmetros (a Arte Contemporânea não se baliza pela ética, nem pela moral, muitas vezes nem mesmo pela estética) o que esvazia todo este sistema de um valor consistente. Entregue a sua falta de parâmetros, o sistema das Artes se encontra fragilizado, assim como o próprio valor da Arte.

E frágil também - e talvez acima de tudo – é o discurso sobre Arte. Se a própria ciência que sempre se pretendeu objetiva, direta, firme, hoje assume a certeza de sua incerteza.o que resta para o discurso sobre Arte?

Mas o mais interessante é que mesmo com tanta fragilidade, nada é sem sentido. A fragilidade material/física da Arte não é mais que um reflexo da fragilidade desta nossa realidade artificial, construída, transformada ao extremo pelo Homem na busca pelo domínio do mundo. A fragilidade do sistema das Artes reflete o próprio destino trágico (ou seria melhor catastrófico?) de todos os outros sistemas da sociedade: economia e política são dois exemplos básicos. E por fim, a fragilidade do discurso sobre Arte nos remete a fragilidade de qualquer discurso - sempre haverá um contraponto, uma oposição.

E mesmo em meio a tanta fragilidade a Arte ainda se conserva (assim esperamos!!!). Por conservar, por que cada obra permite a existência do que Deleuze chama de “ser de sensação” é que a Arte é intempestiva. Depois de produzida e lançada ao mundo, a obra independe de seu AuTOr para evocar este bloco de sensações em quem venha encontrar. Obras (re) – apropriadas e/ou re-contextualizadas mantêm sua força – ou transmutam sua força – comprovando que existem e movem os sentidos e o pensamento em qualquer tempo.

Então, como estudar esta força extemporânea? Realmente a obra está sempre de certa forma atrelada às coordenadas espaço-tempo. Mas esta ancoragem não é definitiva: as obras são produzidas e expostas num certo contexto, com uma intenção mais ou menos definida e assim cumprem seu destino; mas sua força não se atrela e uma re-apropriação ou re-contextulizalção podem comprovar a persistência deste poder. Em novos contextos talvez novos significados ou novas informações possam emergir – e sempre o que move esta emergência são as próprias obras.

Talvez uma possibilidade de se estudar esta força extemporânea das obras seja no duplo movimento: de dentro para fora e de fora para dentro da obra. De dentro para fora: a partir da sua materialidade (ou imaterialidade), de seu corpo, de sua estrutura (que a mantém em pé, como obra), de seu tema (e como a visão desta estrutura e desta materialidade pode variar em diferentes tempos). De fora para dentro: a partir do estudo da interação com o espectador em diferentes contextos/espaços e tempos.



2 – texto para catálogo:



Rosângela Rennó – A Fragilidade da Fotografia

Conhecida como a fotógrafa que não fotografa, a artista traz nesta mostra duas obras emblemáticas de sua produção que se debruçam sobre o estatuto e sobre a história da fotografia.

Em Arquivo Universal, Rennó se apropria de imagens de um arquivo penitenciário para tratar de impossibilidade da imagem fotográfica como documento. Originalmente imagens com função identificatória, estas fotografias são re-contextualizadas, retrabalhadas e associadas a textos extraídos de notícias policiais. A própria união imagem-texto por si só põe em cheque a noção de imagem como informação.

Já na obra A Última Fotografia, a artista empresta câmeras analógicas de sua coleção particular para que amigos seus, fotógrafos, realizem as últimas imagens de tais aparelhos. Após devolvidas, as câmeras são definitivamente seladas, tendo suas objetivas pintadas. Nesta obra, artista nos instiga a pensar na imagem como luto, desaparição – assim como também evoca (decreta) este luto para a fotografia analógica.

O trabalho de Rennó sintetiza as inquietações, possibilidades e mesmo as incapacidades da imagem e do processo fotográficos.

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