quinta-feira, 30 de julho de 2009

a prova de um professor de artes teólogo

Valdemar Schultz, mestrando

1. IMAGEM

O que torna uma imagem arte? O que torna uma obra de arte imagem? A ideia usual que se tem de uma imagem é formada por duas noções. Imagem pode ser a percepção da luz que se projeta na retina do olho, quando se fixa o olhar numa determinada coisa, ou a representação de algo concreto ou abstrato através de palavras e figuras, como na poesia, na literatura, na escultura, no desenho, na pintura, na fotografia, na tela do cinema, da tv. Nessa perspectiva, a imagem é algo que se reconhece no mundo real e está vinculada à memória, à lembrança que se tem de algo, como atualização da matéria no plano do pensamento, independentemente de sua presença real. A partir da perspectiva de Bergson, não existe matéria sem imagem. Não só isso, imagens criam matéria. Imagem não é uma representação, mas é o que se forma entre a lembrança virtual do passado e a percepção atual. Está entre a matéria e a representação. A matéria é tudo o que existe em extensão. O quadro de René Magritte, Isto não é um cachimbo, por exemplo, remete ao signo de um objeto que foi esculpido a partir de uma peça de madeira, sendo que a imagem da madeira só é possível depois do corte da árvore. A matéria vincula-se à memória, à lembrança do que foi percebido. Sem imagem não se apreende a matéria. É por meio de imagens que se toma conhecimento do mundo material. A imagem virtual incide sobre a matéria, mas não lhe restringe as possibilidades de criar significados. Em vez de representar algo, trata-se de criar uma imagem que viole o pensamento, não ideal, como em Platão, mas virtual, como em Deleuze.

Nessa perspectiva, a pintura de um cachimbo não representa um cachimbo, mas emite um signo da matéria pintura. Toda matéria está cheia de signos, mas não codificados. O signo está sempre aberto. Está entre a afecção da matéria extensa e a imagem virtual que o decifra. Para Deleuze, há um signo primordial, não platônico e não metafísico que não está nem na coisa nem naquele que o lê ou o decifra. Decifrar não é o mesmo que codificar ou significar. Os códigos não decifram e nem pertencem à matéria, criam uma outra coisa. A codificação envolve um processo de abstração de signos que forma a linguagem. Mesmo que signos e imagens sejam passíveis de decodificação, há sempre um regime aleatório que é alógico e opera por variações contínuas. A todo instante, as imagens criam os cortes no plano do pensamento para que o caos da vida seja suportável.

A arte não se articula por meio de enunciados, mas, de certa maneira, a obra enquanto imagem é reconhecida por meio de suas sobrecodificações. Embora uma imagem possa ser tomada como uma linguagem, um regime de signos decifráveis (conforme Hjelmslev), signos se articulam, transmitem signos e permanecem sempre abertos na obra. Signos adquirem significados quando são codificados pela cultura, integrando-se a um regime de uma língua, que se forma pela padronização da linguagem. Os códigos de uma língua se criam pelo constante uso de imagens-lembrança que incidem sobre as percepções atuais. Embora predomine esse movimento, o contrário também acontece, novas percepções modificam as imagens-lembrança existentes.

Diferente da linguagem, a imagem mantém sempre uma reserva de mistério. Como escapar das sobrecodificações de uma língua e manter os signos de uma obra abertos numa linguagem que tem como princípio o mistério? Imagens são formadas de percepções que se tornaram afectos, que implicam numa linguagem, mas que não são significados. As imagens reagem umas sobre as outras numa grande tela real, atualizando o virtual. Com as imagens se pensa e se aprende. Para Deleuze, todas as imagens são do desejo, capazes de sustentar a intensidade de uma vida.

3. NOTAS

Simulacro: A compreensão corrente que se tem de simulacro é platônica, pela qual vem a ser cópia da cópia, mas malfeita, demoníaca, vagamente semelhante ao modelo ideal de uma coisa. Para Nietzsche, simulacro não é cópia, mas a potência do falso. A aparência da coisa é a coisa mesma. Nessa perspectiva, Deleuze relaciona simulacro à fantasia. O plano do pensamento é simulacro. A ideia da coisa não está separada da coisa, nem é verdadeiro nem é falso. A dicotomia que se faz que é falsa. O que é verdadeiro e o que é falso é momentâneo. Não se trata de saber o que é uma obra, mas o que faz uma obra. O que é está sempre se tornando outra coisa.

Juízo estético: Juízo sentencia o que é bom e ruim. Institui e destitui uma obra, um artista, uma criação. Estético é o objeto ou a criação artística capaz de produzir movimentos e afectos que mobilizam os sentidos e a fruição. Para Kant, não existe um juízo de valor sem validade universal. Compreendendo que a moral judaica e cristã levou o julgamento ao infinito, Nietzsche evita qualquer princípio válido de juízo estético. Para ele, onde há juízo não há mais diferença. O juízo tira a potência de uma obra. Pode-se admitir somente um tipo de juízo em Nietzsche, a transvalorização do gosto. É preciso distanciar-se dos valores intrínsecos do gosto e da intuição, atravessá-los, para criar os próprios valores, envolvendo-se com o mistério da experiência estética. Nessa perspectiva, para Deleuze, trata-se de produzir o inconsciente maquínico do desejo, não opondo consciência e inconsciência, mas fazer surgir um consciente produtivo.

Gosto: O gosto não se explica, mas se debate. Mas o debate não envolve julgamento. Pelo contrário, a grande questão é tirar o gosto do tribunal do juízo. Em vez de julgar o gosto, trazê-lo para o campo do mistério da experiência estética com as surpresas do fora. O gosto é o início do julgamento. O gosto assume uma posição de valor que está relacionado ao tempo e ao espaço que se vive e que a obra pertence.

Humor: O humor se diferencia da ironia. Enquanto que este é parte da crítica, aquele anima o desejo e cria a vontade. Suspendendo toda a significação, abole profundidade e altura. O humor é a arte das superfícies e das dobras, faz do acontecimento puro um plano de composição para a criação. Humores artísticos expressam vontades deliberadas de gozo e de desejo, criam movimentos que afirmam a potência da criação.

Plano de imanência: É a imagem do pensamento. Não é um conceito, mas está povoado de conceitos. Enquanto os conceitos constituem-se a partir de sua singularidade, o plano de imanência é multiplicidade. Enquanto os conceitos remetem-se a acontecimentos, o plano de imanência é o seu horizonte. Não podendo ser confundido com os conceitos, é o que dá suporte e unidade aos conceitos, estabelecendo interconexões entre eles. Há vários planos, imagens que se sobrepõem, justapõem e coexistem, mas cada plano deve ser erguido separadamente. Os conceitos são criados e os planos são instaurados. Como imagem do pensamento, cada plano é um corte no caos, afirmando a potência de um Uno-Todo para que o pensamento não perca consistência diante do infinito, ao mesmo tempo em que não perca nada do infinito.

7. O frágil na arte contemporânea

É impossível traçar uma terminologia que dê conta do que vem a ser frágil na arte contemporânea. Ao inventar, o artista tem dificuldade de encontrar uma definição para o que está fazendo. O frágil na arte extrapola o contemporâneo, não só porque a obra é frágil, como também o pensamento que a cria. O que se entende por contemporâneo pertence a uma visão histórica de tempo que, sendo linear ou circular, prima pelo que é homogêneo. O pensamento histórico pressupõe uma sucessão de acontecimentos em cadeia. Na perspectiva da Diferença, com Nietzsche, com Deleuze, com Barthes, a arte é intempestiva. Não é nem histórica nem eterna, mas devir. Não segue a direção de uma flecha de acontecimentos históricos, nem busca uma boa direção. Nega a dialética e ri do bom senso em favor do nonsense, do atópico, do incorpóreo, do paradoxal. Em vez de profundidade, a superfície, a dobra. Intempestivo por ser turbulento, intensivo, caótico. A arte também é extemporânea. Busca um tempo outro. Vive fora das coordenadas passado, presente e futuro. Não projeta e nem serve de meio para um determinado fim a não ser ela mesma.

Sendo intempestiva e extemporânea, a obra de arte, nas suas condições de emergências, está ligada à cultura do artista, que predispõe fatores de fruição e contexto. A partir de uma perspectiva espacial e temporal, as obras de minimalistas, como Tony Smith, provavelmente não seriam reconhecidas como arte no Barroco, porque faltaria aos burgueses daquele tempo o conhecimento dos elementos formais que se estabeleceu na década 60. Mesmo assim, a qualidade de fruição da obra não é invalidada, independe de saber da data e do local da obra.

O frágil na arte não está relacionado com o material perene, nem com a efemeridade de sua duração, nem com a mistura de corpos e espaços com que são criadas as obras, mas por ser de sua natureza algo que não se sustenta a não ser como bloco de sensações. Toda matéria é expressiva. Para Deleuze, a finalidade da arte é arrancar do corpo da matéria os perceptos e os afectos, extraindo do bloco de sensações um puro ser de sensações. Como conservar as sensações de uma obra? Da impossibilidade da conservação das sensações vem o temor da morte formal da obra. A morte temida expressa o medo de que uma obra não tenha conteúdo ou que, com o tempo, morra o seu conteúdo, passando a ser um continente, pura variação. Os movimentos estéticos de uma obra são nômades. São movimentos de fuga. Somente permanece o que muda constantemente. Artaud, ao criar o conceito “corpo sem órgãos”, afirmou a fragilidade de todos os sistemas. Ao pretender acabar com qualquer forma de juízo, afirmou a fragilidade como potência em vez de falta. A fragilidade é reafirmada na perenidade da conservação das sensações que uma obra de arte produz. A todo tempo, tudo escapa, tudo foge, também o bom senso.

A dificuldade que o grande público tem em reconhecer uma obra de arte contemporânea vai além da fragilidade de seus meios e suportes. Normalmente as pessoas esperam encontrar nas exposições algo que não sabem fazer e que se diferencie do seu cotidiano. O que dizer da arte de George Maciunas, Flux Boxes, década 60 e Jean Otth, Autoportrait – série de perturbações no vídeo, 1972? Por ser misturado à vida, a arte produzida nesse tempo cria uma mistura de reinos, que leva a múltiplas respostas. É arte ou literatura? Arte postal ou happening? Um autor, coletivo ou público? No espaço sagrado, na rua ou na cibernet? Popular ou erudita? Fim dos movimentos ou somente diferença de estilos? Arte pela arte ou arte para o mercado? Em vez de “ou”, “ou”, “ou”, a arte que se pensa, a partir da Diferença, é “e”, “e”, “e”. O cotidiano misturado na arte e a arte no cotidiano. Do museu para a rua e da rua para o museu. Estetização total e desaparecimento da arte. Nem bela nem feia, nem cheia nem vazia, nem acúmulo nem esvaziamento, simplesmente uma mistura do que se compõe, uno e múltiplo, velocidade de partículas num plano de composição. Proliferação da arte no cotidiano, mistura de corpos, substâncias, estetização do mundo, ilusão, arte das aparências. A arte que faz desaparecer o objeto e o sujeito torna-se imagem pensamento, um elemento de transição, pura sensação, com e sem pretensões de transformar a realidade.

domingo, 26 de julho de 2009

a prova de um médico

Ricardo Dantas Lopes

IMAGEM

São seres que se interpõem entre o que acontece hoje no mundo da pessoa, e o que servirá de matéria-prima para seu pensamento por vir, situando-se em uma espécie de posição intermediária entre o sentir e o pensar. A imagem em um primeiro momento evoca sensações passadas, traz lembranças, reabre marcas, descobre feridas que estavam cicatrizadas, bem fechadas, mas que expostas a essa nova agressão faz a pessoa lembrar da importância que este tema tem para ela e ao longo de sua trajetória, das inúmeras vezes que já teve de ter cuidado-dor para não reabrir-expôr sua marca, diante de outras situações semelhantes a essa mesmo que sem relação aparente com esta nova.

A imagem também é em um segundo momento a percepção da realidade, circulando entre o corpo da pessoa, o objeto-imagem visualizado e o pensamento (ocorrer em um tempo diferente tem função mais didática que temporal ou espacial). Traz consigo um poderoso signo capaz de atrair mais a atenção do que outra forma de objeto, uma vez que a indefinição que a imagem possui é devir para pensamentos sedentos de desejos, de prismas a serem descobertos. Por não ter a interferência de outra pessoa que não ele mesmo, o autor destas imagens não necessita pensar numa designação para sua obra, mas sim em uma significação, que em um movimento circular, intempestivo ou manso, recorre às imagens anteriores e traz uma nova cinese, uma nova ação, em resposta a um objeto imagem’nado (imaginado?).

Este caráter turbilhonante do percurso da imagem, percorrendo tempo e espaço indefinido é elemento de aprendizagem do viver, do sentir, do importante para si, do aprender a aprender.

Por detrás da crítica dos objetos,
do sistema dos objetos,
da sociedade deconsumo,
havia a magia do objeto,
sendo este um objeto sonhado.”

BAUDRILLARD, em Fragmentos Intempestivos.

SIMULACRO

São espelhos. “Há coisas que podemos ver nos espelhos mas que não podemos ver sem eles, notadamente nós mesmos (...). Os espelhos e por sua extensão as obras de arte, em vez de nos devolverem o que podemos conhecer sem eles, são instrumentos de outro conhecimento. DANTO



CALEIDOSCÓPIO LINEAR

O olhar que passa e perpassa
para ali além de onde não mais se vê
perdida numa indefinição de tempo
desprendido de amarras que não prendem

O olhar de quem sonha
de quem procura de forma louca
busca e rebusca a imagem
atrás de sua liberdade

O olhar de quem vê a paisagem
busca a s dentro dela
mas só acha na moldura do quadro
com uma ponta de rabisca para fora

Busca o alcance do seu olhar
sonha com o caminho do olhar
percorrido por seus olhos e talvez por si mesmo
vê-se neste caminho, caleidoscópio linear

Recusa a normalidade do olhar
quer a loucura, o estrabismo
sabe que não-ver é ver
sabe que além do olhar há todo o resto.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

uma prova poética

PROVA JULI FARINA - Mestre em Psicologia Social


Questão 7:

Capital-Arte:

Cuidado! Frágil!

A arte contemporânea é frágil. Mas é tanto mais frágil quanto mais tentamos cuidá-la, acalentá-la, mantê-la. Se já temos dificuldades em saber quem é o autor de uma obra, se aquele que a concebe como conceito, se aquele que a executa, se aquele que lhe dá sentido enquanto espectador... Também não sabemos de quem é a obra, a quem pertence a obra... Se aquele que a produziu ou aquele que a comprou.

Arte contemporânea, diz o verbete. Mas enquanto enquanto contemporânea seu trabalho é nos colocar em relação com o extemporâneo, com aquilo que nos permite fugir, com aquilo que nos coloca num fora do espaço-tempo vivido, em contato com matérias fluidas em busca de formas que, por sua vez, serão sempre fugazes, sempre dependentes do encontro com a diferença que virá desconstruí-las, miná-las...

Não há forma fixa, por isso a fragilidade está justamente na tentativa de fixação. Perderam-se as categorias capazes de fixar a arte a partir de juízos de valor estabelecidos do que é boa ou má arte, bom ou mau artista.

Se a questão contemporânea é capital, entendendo-se capital tanto em seu sentido capitalístico quanto de emergência do contemporâneo como questão, pra que fazemos arte hoje?

Veja-se bem: arte não é cultura! Arte é o que coloca a cultura em cheque, abala as estruturas, produz curto-circuitos, explosões! O que é capital na arte? Arte-capital?!

Fugir do capital é capitalizar a arte? Ou descapitalizar a arte?

Nos tempos do “tudo pode ser vendido” uma arte vendável é capaz de abalar a cultura? Como se paga o artista? Como se coloca preço na arte? Quanto custa uma performance? Um happening? Um quadro? Um artista?

Arte capital

capital arte:

descapitalizada arte,

decapitado artista.

Capitalizado artista,

decapitada arte.

De cada pitada de arte,

picadas de artista:

escape capital,

capital arte!

Questão 1:

Imagem é um conceito complexo. É muito mais do que aquilo que a enquadra como figura visual e estática. Não pensamos apenas por imagens visuais, há imagens sonoras, imagens hápticas e o pensamento é mais potente quando se livra de uma imagem do que seja pensar.

Conceber imagem como idéia essencial, é coisa de Platão: herança muitas vezes maldita, que sobrecodifica a imanência. Na imanência não há formas, só matéria para as formas que recortam o caos. É recortando o caos que conseguimos viver, agindo na matéria, transformando a matéria, dando às imagens, efeitos de outras imagens. A imagem não é fixa, é infinita em sua potência de produzir outras imagens. É de imagem que se faz a memória, como arsenal, ferramenta contagiosa das percepções atuais. “A memória é uma ilha de edição”, dizia Wally Salomão: cada imagem é uma produção editada de uma cadeia infinita, que carrega em si, outras cadeias em potencial.

a IMAGEM

precisa de MARGEM

as bordas da GEMA,

o GERME

de onde EMERGE

uma MIRAGEM:

nasce outra IMAGEM.

Questão 51:

O tempo pinta um quadro.

Onde está a paisagem?

No olho do quadro,

ou no quadro da imagem?

O olho é olhado?

Ou é ele quem olha?

Não é do tempo,

que é feita a paisagem?

A paisagem não existe

sem teu olhar.

O espaço é o tempo a te encantar.

O quadro do tempo não posso olhar.

Não tenho mais tempo

de te encontrar.2

uma prova com doações

Questão 1

Imagem – à flor da pele?

No filme “Amor à flor da pele”, de Wong Kar-wai, uma sequência de cenas em que um casal se encontrava em segredo (há bastante tempo) apresentava a mulher em diferentes vestidos. As imagens da mulher, a cada cena com uma roupa de cor diferente, é que davam a sensação de que o tempo estava passando; aliadas à imagem da fumaça do cigarro do homem se dissipando no ar.

O espectador percebia a passagem do tempo através das imagens, assim como nós percebemos o mundo e produzimos materialidade a partir delas (BERGSON, 1999).

Pensando com Deleuze, a imagem é um corte no caos para podermos existir, não havendo diferença entre imagem mental e sensório-motora, nem entre virtual e real.

Para Bergson, sem as imagens não seria possível apreendermos as coisas, pois o mundo é um conjunto de imagens. O autor faz uma distinção entre os dois tipos de imagens: a imagem da sensação vivida no presente e a imagem virtual do passado. As imagens-lembrança (do passado) interferem na apreensão das imagens no presente. O que percebemos encontra-se no entre – entre as imagens percebidas e a lembraça.

      A memória, praticamente inseparável da percepção, intercala o passado no presente, condensa também, numa intuição única, momentos múltiplos de duração, e assim, por sua dupla operação, faz com que de fato percebamos a matéria em nós, enquanto de direito a percebemos nela (BERGSON, 1999, p. 76).1

É difícil dizer onde a percepção acaba e onde a lembrança começa. As imagens-lembrança enriquecem a experiência do presente. Mas não seriam, também, as próprias imagens-lembrança influenciadas pela experiência do presente, pelas sensações? Pois, como nunca somos os mesmos, a memória poderia também ser (re)inventada de forma diferente no presente. Em uma cena final do filme comentado anteriormente, a memória é apresentada como “um vidro embaçado”, sendo que, depois do relacionamento desfeito restavam apenas o segredo e a lembrança.

Pensando com Barthes em que a imagem é modo de comunicação, funcionando como meio para outra coisa, como um signo e, ainda, com Umberto Eco em que a Obra é aberta, permitindo inúmeras interpretações e a criação de diferentes proposições a partir dela, podemos dizer que a imagem afeta, produz sentidos, sensações; havendo (com Deleuze) uma infinidade de possibilidades, o que a distanciaria do sistema binário, classificatório e subjetivante.



Questão 2

Doações do Corpo

Zenilda Cardozo realiza nos meses de julho, agosto e setembro a ação artística intitulada: Doações do Corpo, em que a artista fará a doação das obras que representam os seus próprios órgãos. A ação faz parte do Programa Doações do Corpo: interface entre o sistema de transplantes de órgãos e tecidos e o circuito de artes.

A ação é aberta à participação do público e poderá ser acompanhada pelo blog: http://doacoesdocorpo.blogspot.com/. Os interessados poderão se inscrever – através do edital de seleção no blog – para receberem as obras/órgãos da artista.

A artista mimetiza, através da ação artística, os processos de seleção adotados pelos dois sistemas (o das artes e o dos transplantes), problematizando as questões sobre o corpo na atualidade, além da fragilidade do próprio corpo e sua obsolescência. A ação também propõe tensionamentos no circuito da arte contemporânea, questionando seus espaços expositivos e os critérios de seleção para suas ocupações. O corpo frágil também é evidenciado na confecção dos órgãos/obras, pela forma e material utilizados.

Questão 4

Notas:

1 Minimalismo – Movimento da arte dos anos 1960 em que o objeto artístico era desprovido de uma essência, sendo apontado como parte de algo maior, considerando o local (entorno), o sequenciamento (uma coisa depois da outra) e a modulação (arquitetura e mobiliários se tornavam modulados). O objeto não significava além dele mesmo. Ver também Rosalind Krauss – Caminhos da Escultura Moderna, São Paulo: Martins Fontes, 1998.

2. Happening – Manifestação artística dos anos 1960 e 1970, em que aconteciam, ao mesmo tempo, diferentes proposições, de diferentes modalidades, como: pintura, dança, música, teatro, literatura, etc. O público era convidado a participar das ações, que eram efêmeras e problematizavam, entre outras coisas, a materialidade e o mercado da arte. Assemblage – “uma nova forma de colagem”(Glusberg, GLUSBERG. Pré-história do gênero/A realidade do desejo. In: A arte da performance, p31).

Zenilda Cardozo Sartori

terça-feira, 21 de julho de 2009

uma prova controversa

3 - Súmula para uma disciplina cuja matéria versa em torno de estética:
A ausência de preconceitos na sociedade pós-moderna vai muito além do bem e do mal – e da moral. A arte tem sim, implicações com os valores e a moral. Os valores estéticos fazem parte de nossa sociedade. Qual é o mundo que desejamos e qual é o mundo que temos? Aquilo que gostamos tem relação com as nossas vidas. A sociedade de consumo e a arte como mercadoria. A indústria cultural e a cultura de massa como estética e mercadoria. Os questionamentos provocados pela arte. A autenticidade do artista na hora de expor e comercializar sua arte e o entendimento das obras do artista. A arte que temos, representa a nossa sociedade?


Os simulacros que obliteram a realidade em nossas vidas.
Observações da professora: De que maneira (os simulacros) obliteram

a realidade, ou eles são a realidade?

2 - Texto para folder - Andy Warhol

No século XX, marcado por Picasso, após a transgressão de Marcel Duchamp e do Neoplasticismo de Modrian, chega-se ao Pop de Andy Warhol: além de publicitário, era um artista pensador da
pós-modernidade. Com uma obra profunda, sem ser retórica, pois falava com mordacidade quando revelou a essência da arte com elementos e imagens retiradas da banalidade da cultura popular americana. Warhol tirava da arte tudo o que tornava divertida, com apropriações de imagens vinculadas comercialmente na cultura de masssa. Inicialmente anilquilando a distinção entre arte alta ou baixa, e a realidade. Ele foi grande por ter posto as questões em torno da arte
devem ser. Mas ele não nos disse o que era arte. Ele abriu caminho para aqueles cujo trabalho fosse providenciar teorias filosóficas. Era parte da personalidade dele achar o desinteressante interessante e o ordinário, extraordinário. No mundo de hoje, o que está em jogo não é mais a contemplação da natureza, mas a utilização de imagens cada vez mais artificiais. Se a técnica conforma os sentidos, mais do que nunca as novas tecnologias interferem na nossa maneira de ver e interpretar o mundo. Temos dificuldade em aplicar critérios fenomenológicos quando a pintura se torna cada vez mais auto-referente e passa a comentar um mundo virtual.

4 - Notas de rodapé:

MINIMALISMO - Supressão máxima de elementos. Economia de linhas, cores
e formas.

KITSCH - É (segundo MacLuhan) o canal de comunicação que constitui, em
si mesmo, a mensagem do plano sociológico. Sua representação e seus
traços são melhor determinados que seus conteúdos, o objeto é portador
de signos por sua mera existência enquanto objeto, muito mais do que
pelo que representa. o Kitsch e o Neokitsch são percebidos como um
aspecto psicopatológico da vida cotidiana. É uma peça inadequada,
inútil ou de falsa funcionalidade.

HUMOR - Faculdade humana, reação corpórea aos estímulos da vida. O
humor problematiza situações experimentadas independentemente de juízo
de valores.

Contribuição de André Barrinuevo Ronnäu, ouvinte.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

foto enviada por Cláudia Paranhos



o que é

uma prova anárquica

Jamer Guterres de Mello - mestrando


Nota de rodapé: [ironia]


Aqui, pouco importa o funcionamento racional e programado de nossas sociedades no que diz respeito à política, à ciência ou à tecnologia. O fascínio que esses elementos nos remetem se refere à orgia dos signos (Jean Baudrillard). Portanto a sedução – a perversão irônica – é recurso utilizado como desvio dos efeitos de sentido.

O acontecimento real em si passa a ser simulado pela secreta ironia de seu signo. Ironia é simulação. Ironia é sedução. Tampouco é uma fuga da verdade, ou uma mentira, pois escapa do plano do juízo, tanto da verdade quanto da realidade.

Em suma, uma desobediência aos próprios princípios, seja na arte, na linguagem ou na política. A ironia e o humor (re)afirmam a duplicidade fundamental que exige que uma ordem, qualquer que seja, só exista para ser desobedecida, atacada, ultrapassada, desmantelada. Enfim, ironizada.



Nota de rodapé: [simulacro]


Simulacro aqui utilizado no sentido empregado por Gilles Deleuze em algumas de suas variações discursivas no que se refere à reversão do platonismo e a chamada teoria das idéias (enquanto modo de viver e pensar calcado na moral, na lei, na razão e no Estado).

Simulacro então como força que interioriza a dissimulação, a figuração como derivação da idéia. Um observador se utiliza de mecanismos de recognição e recebe uma marca sensível, uma impressão instalada nas rupturas, nas falhas e descontinuidades de um mundo já estabelecido. Lembrando que tal impressão não se garante necessariamente vinculada a uma determinada idéia ou que nela possa ter um fundamento último.

Em resumo, não ocorre a existência de modelos ou essências ideais para um mundo onde tudo são simulações. O simulacro é aqui tomado então como construção (simulação) da semelhança que se diz da diferença interiorizada, em oposição à jurisdição de um absoluto.


SINGULARIZAR-SE: A IMAGEM FALSA QUE SE EXCEDEU EM SER A MESMA.



Questão nº9

– inventada –


[texto-demência]


MANTER O PASSO OU VIRAR SUCO


Outro dia dei 1 real a um mendigo. Em troca ele me disse: “você tem que acreditar que nada daquilo que é considerado justo, certo, verdadeiro é justo, certo, verdadeiro...”

Valia mais que 1 real.

Ou melhor: a solidão (ou o suicídio) como pontuação trágica de cada gesto.

“Quando a gente não pode fazer nada a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba”

(Rogério Sganzerla)


“Trepanação para todos” substitui “Educação para todos”.

Atingir o cérebro através de perfuração da caixa craniana com uma broca chamada trépano.

Obra praticada longe daqui.

Talvez no Egito.

Não se sabe com que finalidade, talvez sagrada.

Arte cirúrgica do êxtase radical.

Espécie de body-art full contact.

A abertura no osso da cabeça provoca uma alteração da pressão cerebral favorecendo a irrigação daquele lugar.

Os sacerdotes trepanados do Egito. Uma beleza.

Arthur Omar diria que após a trepanação todos viveríamos com a FACE GLORIOSA, para sempre.

Primeira prova enviada para publicação

MESTRANDA: MÁRCIA BARCELLOS ALVES

# SEQUÊNCIA ESCOLHIDA: 2 – 4 – 7

2.

- ARTISTA: Carlos Maximiliano Fayet

- OBRA: Deusa Themis

Durante por volta de cinqüenta anos, caminhantes distraídos que circulavam na Praça da Matriz, no centro de Porto Alegre, esbarraram seus olhares em uma gigantesca parede de concreto. Cinza, gélida e séria, a construção do Palácio da Justiça – projetada e executada por Carlos M. Fayet e Luis F. Corona – emanava também pomposidadem poderio e maestria.

Hoje, o cenário não é mais o mesmo. Há quatro anos o prédio recebeu um ‘adorno’ que desde então faz toda a diferença: uma Deusa foi lá posta a reinar.

Os nove metros da escultura de bronze chamam a atenção não só pela beleza que conferiram ao prédio, enquanto uma fenda que faz o bloco maciço respirar, mas também pela criatividade e ousadia que envolve a criação, por sua potência interrogativa.

Themis, a Deusa da Justiça, também não é mais a mesma. Fayet tirou suas vendas – a ‘justiça-eira’ não é mais ‘cega’, ela tem olhos bem abertos, cabelos esvoaçantes como os de uma guerreira e tem a intimidade de um de seus seios posta à mostra. Em seus braços e sob seus controle não tem mais uma balança que não sabe pra que lado pende, traz agora consigo a capacidade de uma espada e a sabedoria de um livro (onde lê-se L E G E S).

E eu, sentada no banco da praça, posso sentir a pulsação desta Obra. Em mim, a pulsação transcende a palavra, embora não a silencie. Pelo contrário, ‘in-quieta’, transborda da pedra e produz uma espécie de grito só escutado por aqueles dispostos a tanto.

A arte de Fayet teve, neste momento, força para torna-se ‘monumento’. Esta obra-força-vibração fez , no centro-coração da cidade, meu Porto ficar mais vivo e muito mais Alegre.


4.

> JUÍZO ESTÉTICOAvalia-ação, inerente ao sujeito, sobre o valor estético de algo. Este valor é sempre suposto, sobreposto. O ‘valor’ intrínseco à obra incide sempre em um sistema moral, já que o gosto também é forjado por uma estrutura cultural que define a forma. Este ‘juízo’ só pode ser debatido se houver um distanciamento da obra e, por depender do gosto (e ser intuitivo), não pode ser questionado. O ‘juízo estético’ opera na singularidade do objeto em questão; não é julgamento, pois é espontâneo e involuntário. Está relacionado a uma experiência estética.

> PERFORMANCE – Ação artística-criadora que se efetiva e desaparece, ainda que seus efeitos possam permanecer ecoando. É espetacular, destrutiva; Acontece num tempo-lugar e de uma forma que acaba por desaparecer, expirar, fenecer. A performance está no artista, não no objeto; Transitoriamente, o próprio artista torna-se obra.

> HAPPENING – Ao contrário da performance, o happening é interativo e construtivo. Envolve materialidade e ação; está relacionado com atividade, acontecimento, instalação. Quando acontece, re-constrói, confunde.

> HUMOR – Deleuse, em ‘A Lógica do Sentido’, diferencia humor de ironia. O humor é corpóreo, é produzido molecularmente a partir das afecções dos encontros. Embora seja mais sério que a ironia, o humor ri e chora de si mesmo. Sua ‘postura’ faz com que a moral da cultura seja posta em cheque sem argumentações, meramente pelo o que ele desestabiliza. É fluxo, ação, devir, é uma secreção que mostra a falta de sentido das coisas e ri disto. É o que interessa para a filosofia da diferença.

OBS: Todas estas palavras ainda dizem muitas coisas para mim, mas considerei interessante o exercício de conceitualizá-las, dá-las um contorno. São conceitos interligados numa lógica de pensamento nova para mim, o que faz com que algumas abreviações possam ser interpretadas como contrárias à complexidade e amplitude que cada um desses conceitos guarda e revela.


7.

As três questões que compõem esta maior resumem algumas das mais importantes inquietações que este seminário produziu para mim. A tentativa de responde-las significa a ânsia de poder dar um contorno a algo que é muito mais potente enquanto questão. Por isto, os ‘contornos’ que se seguem se sabem incompletos e têm a intenção de compartilhar algumas das ressonâncias destas perguntas.

Há pouco, falava de Fayet e da Deusa Themis – tenho empreendido um esforço no meu projeto de pesquisa que é o de pensar o direito a partir da psicanálise. O direito surge para dar conta das fragilidades humanas e foi só com o tempo que ele também descobriu-se também eminentemente frágil.

O que a fragilidade da justiça, explicitada todos os dias em casos abordados pela mídia, tem a ver com as mudanças na imagem da sua Deusa, pensada por Fayet? O ‘autor’ quer dizer algo quando cria? Toda arte é conceitual? Aliás, quem é o autor: Fayet, Corona, a filosofia, o povo (já que se trata de uma figura mítica)? Por que a Deusa só agora pôde ser mostrada-vista desta forma? O que torna uma imagem, arte? Como falar do que este intempestivo da arte produz em quem a olha?

*****

Derrida tem um conceito que as reflexões sobre arte e justiça remetem-me a todo tempo (e que por isto comento aqui) e que de alguma forma traduz outras interrogações que tomaram força nesse cenário. No livro ‘Força de Lei’ ele fala sobre para ele chama-se de ‘performance’, de ‘ato performativo’. Este conceito traduz a potência criadora da palavra – interessante pensar que o ‘ato’ de um Juiz ou Padre ‘dizer’ que um homem e uma mulher, por exemplo, sejam marido e esposa, faça com que eles de fato assim os tornem. Como pensar o ‘ato criativo’ da arte e da palavra?

Compartilho a questão e deixo as conseqüências dos seus desdobramentos para um próximo seminário, já que a psicanálise (pelo menos a que eu conheço – e que cada vez mais conheço a diferença com relação a outras formas de concebê-la) tem muito a dizer sobre isto.

Frágil foi composto com

Adriana Daccache - Ana Carolina Rios Simoni - Ana Paula Crizel - Carine Betker - Cassiano Stahl - Cláudia Paranhos - Dagoberto Machado - Diego Esteves -Eduardo Guedes Pacheco -Ivan Rodrigues Quevedo - Jamer Mello - Juliane Tagliari Farina - Luiz Daniel Rodrigues - Marcia Barcellos Alves - Marcos da Rocha Oliveira - Maria Cristina Ferrony - Máximo Lamela Adó -Paula de Oliveira Biazus - Rafael Johan da Silva- Renata Carlos - Ricardo Dantas Lopes - Valdemar Schultz- Zenilda Cardoso Sartori

E ainda teve a participação de Rubia Pezzini, Vera Marta Reolon, André Barrinuevo, Talita Tibola e Tiago da Silva Abreu.

Bolsista presente: Pólen Sato
Professora Doutora Paola Zordan, colaboradora PPGEDU/UFRGS

No dia da intervenção, 9 de julho, tivemos a presença do Guilherme, filho da Renata.

Turma no primeiro lance de escada

Turma decidindo o que fazer com material frágil


Matéria-prima

























Mãos à obra


Intervenção no extintor de incêndio do térreo

Escritura com sangue no elevador



Educa-dor, aquele que ensina a dor do aprender.

Dor que incomoda, mexe, atrapalha

É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.

Educa-dor que mostra seu sangue em aula.

Sangue puro? Jamais! Sangue misturado,

Coagulado, condensado e, logo, outro sangue.

Sangue, que na boca se transforma em M Ú S I C A.

Sangue, que no quadro vira composição, Escritura.

Sangue, que na mão res – pinga/ escorre manchando corpos.

pinga

pinga

Pingos que desejo, para ver se dão sossego a dor que me consome.


Texto de Ana Paula Crizel

Intervenções nos elevadores











Penetráveis, roupagens frágeis







Cassiano Stahl



























Diego Esteves

Painel de leis colado em frente à biblioteca



elaborações do aluno Ivan Rodrigues Quevedo, bacharel em Direito